EU NÃO CELEBRO MEU ÚTERO
Tudo em mim são pássaros, roedores
Eu não sou uma
Bato todas minhas asas, meus dentes se armam
eu quero te cortar
Enfio a mão dentro de você infinitamente vazio
de tudo que somos
Cada contração sua me seca
Você está me matando
enquanto esgoela como um bebê
me rasgando quem é que não vai viver
Fardo desgraçado
em celebração da mulher que sou
e das mulheres que sou
e da criatura que é sua e ó sem dor
Eu canto pra você. Ouso te arrancar co'as
Olá, próprias. Olá, mãos.
Aperto, cubro. Tecido frouxo que arranco.
Olá ao solo dos nadas
Bem-vindas, eus
Cada desejo tem uma vida
Há o suficiente aqui para nascer uma nova mulher
Basta que se arranque o malmequer
Conheço mulheres, comunidades inteiras diriam disso
“Que beleza este ano poderemos plantar de verdade
a colheita que queremos
Uma praga foi prevista e foi expulsa.”
Muitas mulheres cantam juntas sua própria canção:
uma está numa fábrica de merda amaldiçoando a máquina
uma está numa esquina aquendando um bem-casado
uma está pronta pra se jogar na frente do ônibus
uma está subindo o morro ou descendo pra praia
uma está lutando pela reforma agrária
uma está soltando a voz num slam ou num sarau
uma está virando a mesa e quebrando os copos
uma está pintando deixando as mãos na serra da capivara
uma está morrendo com um cabide nas mãos, sonhando com seu corpo
uma está dançando funk ou twerk na laje com as amigas
uma está limpando a bunda de um doente cheia de sangue
uma está olhando pela vidraça de uma lanchonete
no meio de um bairro chique e uma está
em qualquer lugar e outras estão em toda parte e todas
parecem estar cantando, embora muitas pessoas
não ouçam uma nota sequer
Fardo desgraçado
em celebração da mulher que sou e das muitas que sou
arrasto um lençol de três metros
arrasto esse tecido muscular para fora
arrasto tigelas para a oferta
(sim eu defino o meu papel)
Estudo a camada muscular
Examino a distância angular do miométrio
Uma menininha arranca os caules das flores
(sim eu defino o meu papel)
Desenho figuras tribais no tecido liso
(sim eu defino o seu papel)
É isso que é o meu corpo
agora sim cantar
para a ceia
para o beijo
para mim
sim
*
em lugar de tradução, para "In Celebration of My Uterus" de Anne Sexton, que pode ser lido aqui.
0 comentários:
Postar um comentário