segunda-feira, 21 de maio de 2012

ESCRITA AOS ÍMPARES


Se vocês querem ser mais livres do que quanto existiu até agora,
venham ouvir-me
- Walt Whitman]

Desce. Desce mais ainda.

Aqui ou em Tsárskoie Seló ou East Coker
É sempre escuro depois da zero hora
Escuridão de chão e muros e pedras.
(Não conhece ainda a escuridão das águas e o vento
E nunca existe o Bom-Selvagem se um dia pisou e viu
O chão, muros e pedras)

Desce. Desce mais ainda.

O frio já invém e cada pedaço de lugar
É comido pelo tempo, triste lugar.
Pedra ontem, pedra hoje e nunca
A mesma diante do olhar variegado e tua descida.

Desce. Desce mais ainda.

Que importa se o agasalho mal te cobre
E todo olhar variegado é igual?
Passam os seres com suas desumanidades e doenças
Tantas, como as tuas. O normal é que os desaproxima
E faz bochicho, chacota, ou nem isso e nem nada
Como a lua nova na calada madrugada

Desce. Desce mais ainda.

Até que não haja um só dente na escuridão.
Reles, vil, faz-te de cada cimento e aço
Dos lugares que não o-são
Transubstancia-te de tudo o que fizeram
A Grande Civilização e Cultura, te alastra
De todo o Tempo e a palavra
Costume, hoje é mais um dia.

Desce. Desce mais ainda.

Ácido, pérfido, até que descalce
Todo milagre – o falar, o ranger dos ossos
Qualquer lágrima como lâmina fria
O calor de uma e outra mão.

Desce. Desce mais ainda.

Conversa com a Treva, os desclassificados das calçadas
Aquele que agoniza numa casa em chamas, Escória e Só.
Conte aos amontoados de pele e ossos
E a carne-necrose dos segredos menores -
O ínfimo, o invisível, esses séculos de História, Pó.

Desce. Desce mais ainda.

Com a lata, as cinzas, o isqueiro e a colher
Os lábios queimados e o sangue exposto
Sê mínimo, agudo, cidade-baixa.

Então te levanta.

É Gente.
De frio e escuro e solidão.
Pode ser Grande?

9 comentários:

Maria da Graça disse...

Nina,um exercício de humildade e reencontro consigo e com seus mais intimos e reais afetos!Lindo! Graça

Lilly Falcão disse...

Absurdamente belo! Tão grata por ler-te! Obrigada! Um abraço grande. E só.


"Conversa com a Treva, os desclassificados das calçadas
Aquele que agoniza numa casa em chamas, Escória e Só.{...}
Sê mínimo, agudo, cidade-baixa.
Então te levanta."

Salvatore disse...

Il poeta della democrazia Americana. Saluti da Salvatore.

Anônimo disse...

Que beleza de poema!

""Conversa com a Treva, os desclassificados das calçadas
Aquele que agoniza numa casa em chamas, Escória e Só.{...}"

Parabéns!

Beijo,

Claudio Daniel

Antônio disse...

Daqueles poemas que tornam até difícil comentar porque nos calam.
Depois das cataratas o que é uma gotinha. Mas , taí a minha. Que ao menos soe fosforescente. bj procê, Nina.

Roberta Tostes Daniel disse...

Emudece, realmente. Nem escolho um trecho. Cala todo o poema, e catapulta.

dade amorim disse...

É mesmo muito lindo, diz muito daquelas coisas que já sabemos mas pelas quais passamos indiferentes tantas vezes.

Beijo, Nina.

Felipe Coelho disse...

Lindo poema, adorei as imagens.
Beijos

Marcelo Novaes disse...

Tô descendo.


Poema de se ver no agachado.



Um beijo, Nina!