segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

em lugar de tradução

 EU NÃO CELEBRO MEU ÚTERO

 

Tudo em mim são pássaros, roedores
Eu não sou uma

Bato todas minhas asas, meus dentes se armam

eu quero te cortar

Enfio a mão dentro de você infinitamente vazio

de tudo que somos

Cada contração sua me seca

Você está me matando

enquanto esgoela como um bebê 

me rasgando quem é que não vai viver

 

Fardo desgraçado

em celebração da mulher que sou

e das mulheres que sou

e da criatura que é sua e ó sem dor

Eu canto pra você. Ouso te arrancar co'as 

Olá, próprias. Olá, mãos.

Aperto, cubro. Tecido frouxo que arranco.

Olá ao solo dos nadas

Bem-vindas, eus

 

Cada desejo tem uma vida

Há o suficiente aqui para nascer uma nova mulher

Basta que se arranque o malmequer

Conheço mulheres, comunidades inteiras diriam disso

“Que beleza este ano poderemos plantar de verdade

a colheita que queremos

Uma praga foi prevista e foi expulsa.”

Muitas mulheres cantam juntas sua própria canção:

uma está numa fábrica de merda amaldiçoando a máquina

uma está numa esquina aquendando um bem-casado

uma está pronta pra se jogar na frente do ônibus

uma está subindo o morro ou descendo pra praia

uma está lutando pela reforma agrária

uma está soltando a voz num slam ou num sarau

uma está virando a mesa e quebrando os copos

uma está pintando deixando as mãos na serra da capivara

uma está morrendo com um cabide nas mãos, sonhando com seu corpo

uma está dançando funk ou twerk na laje com as amigas

uma está limpando a bunda de um doente cheia de sangue

uma está olhando pela vidraça de uma lanchonete

no meio de um bairro chique e uma está

em qualquer lugar e outras estão em toda parte e todas

parecem estar cantando, embora muitas pessoas

não ouçam uma nota sequer

 

Fardo desgraçado

em celebração da mulher que sou e das muitas que sou

arrasto um lençol de três metros

arrasto esse tecido muscular para fora

arrasto tigelas para a oferta

(sim eu defino o meu papel)

Estudo a camada muscular

Examino a distância angular do miométrio

Uma menininha arranca os caules das flores

(sim eu defino o meu papel)

Desenho figuras tribais no tecido liso

(sim eu defino o seu papel)

É isso que é o meu corpo 

agora sim cantar

para a ceia

para o beijo

para mim

sim

*


em lugar de tradução, para "In Celebration of My Uterus" de Anne Sexton, que pode ser lido aqui.

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