Michelle Kingdom, The Dressing Room (sold). Bordado, 2016. |
da primeira vez
não dei por isto
ou aquilo
uma pá de cal
tão branquinha
atirada pelas
criancinhas
como flecha
cabelo de
repolho bozo
esquisita suja
fedida
e a vez de
querer muito muito forte
esfregar o
tijolo na cara até a carne se saber a sangue
sangue azul
sangue branco
cresce cresce
cresce
nove aninhos
ai ai ai
que peitinhos
mais lindinhos
ai ai ai
que bunda tão
grande como pode sem celulite
ai ai ai
já pode aprender
usar a boca
ai ai ai
que virgindade
mais apertada
ai ai ai
que mulatinha
tão gostosa
ai ai ai
você é tão
inteligente pra sua idade
ai ai ai
pode pode pode
você quer
leitinho?
olha que
branquinho
cresce cresce
cresce
as vielas na
periferia
o campinho de
futebol
a goela seca
não cotas não
sim samba sim
sim chapinha sim
não raiva não
cresce cresce
cresce
oi amiga
não hoje não
oi joana
sim hoje sim
uma luta maior
que a outra
uma lata mais vã
que a outra
bares caçambas
papel picado absorvente
cresce cresce
cresce
NOTÍCIA DE
JORNAL
hoje na jornada
de arte negra
a poeta x
a novíssima
literatura negra
pra ser lida nas
escolas
SOU NEGRA
SOU NEGRA?
SOU NEGRA!
cresce cresce
cresce
os beiços
imensos roxos
os bicos dos
peitos pretos
o pixaim armado
a vulva roxa
os bisavós
escravizados
o avô fugido da
servidão
uma avó tão
branca
neta de quem?
se me querem por
fêmea
NEGRA
se me querem por
intelectual
MULHER?
se me querem por
profissional
HETEROCISGÊNERA
se me querem por
escritora
BRANCA
se me querem
COSPEM OS LÁBIOS
LIVRES
cresce cresce
cresce
o homenzinho
violenta a mulher
digo porque sim
ela é mulher
ele diz ninguém
estava dentro do quarto
sou negro sou
negro você é racista
poetisazinha de
versos de merda
e ainda uma
índia a voar
paloma negra
PELOS ARES COM
SEUS SANGUE PODRE
cresce cresce
cresce
da múltipla vez
não dei por mim
estava a
gaguejar um verso que me martela
TERESA TERESA
TERESA
uma avó
esquecida de tão negra
um poema tão
macho um poema tão arraigadinho
que qualquer
poema só sabe dar bandeira
a filhinha chora
meus beiços meus
pelos meus cabelos meus peitinhos minha história
e essa maldita
pele tão branca
a poeta x negra
é invisível pra todos os machos
a poeta lésbica
branca é alvejada por todos os machos
a poeta gorda trans é batida por todos os machos
a poeta gorda trans é batida por todos os machos
as mulheres são
odiadas por todas as instâncias
ó por todas as
feministas
da última vez
disse sim
mulher
mulher negra
coberta das poemas mais ternas das poemas mais raivosas das poemas mais poemas
porque sim eu quis assim
a poeta negra
A IMENSA POETA
NEGRÍSSIMA
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