terça-feira, 6 de dezembro de 2011

fragmento, 4

Yahima Torres em fotograma de Venus Noire/ Vênus Negra (França/ Bélgica, 2010), de Abdellatif Kechiche.

cinematográfico: ela estará reclinada sobre ele todo convalescente. seus olhos se encontraram e o espírito de deus volta a se mover sobre a face das águas. e quando sua companheira estiver dormindo,  feche os olhos e dê um jeito de arranjar "um hotel discreto"  e enlouqueça só de me olhar. uma loucura momentânea, como um sonho apenas. como um trem que passa quase-vagarosamente a te deixar devanear, esperando pra atravessar os trilhos. aí ele passa, ele se vai, e tudo volta a normalidade...

é, parece que vou à veneza no carnaval. detesto aché, detesto swingueira, detesto forró desse tipo híbrido com a desgraça que fazem hoje. mas eu gosto de alegria, eu preciso de alegria, santa terezinha! eu gosto de sonhar, eu gosto de ser bem tratada, eu gosto de ser amada, eu gosto de ser sonhada, eu gosto que me paguem uma bebida e que me levem pro trio elétrico, como chama aquele sujeito bigodudo que me fez isto e não me lembro seu nome, mas lembro do volume em suas calças, dos seus olhos cor de luxúria, da sua vontade de me impressionar "sou o dono do trio", e do asco que sinto com impressões assim. gosto que me cubram com o manto sagrado e azul do sonho. gosto do que me trata com o carinho de um pai e até mesmo do seu hálito amargo... nos beijamos, sabe. um beijo inocente, mesmo. e só isso, ele gosta é de ouvir minhas histórias de meninas. e ouve uma mulher com quem ele se relaciona que me convidou pra ir pra casa dela, pediu, maliciosamente, que ele me levasse lá. eu não fui, claro. sou uma moça recatada. do tipo fusca, dá no tranco, mas não vai, se excita com as palavras, as cordas e se joga na fossa quando é preciso o contato. gosto que o poeta me diga "você é a eugenia da raça, e eu te daria meus mil-pneus", gosto da canção-preocupação do roberto e de sua companheira que percebe em mim uma moça mais que moça e me pergunta pedagogias. gosto de correr atrás de crianças: "flamenguista merece cócegas". gosto de pensar que o mundo poderia me caber, gosto de desaparecer. gosto do nada e de fugir de mim. gosto da sua terra, camarada.

aquele poeta, augusto diz que minha vida é um salseiro. sim, ontem me deu saudade dele e liguei. foi frio, perguntou porque liguei, ficou mudo e pra não chorar no gancho e ele me ridicularizar, desliguei. não morro de amores por ele. gosto muito dele. me sinto sozinha aqui, e às vezes isso é tão forte que preciso falar com alguém pra não pirar. era tarde já, pra quem eu ligaria sem o medo de acordar? pra quem se as pessoas que amo não existem e não têm telefone? ele. e fui inconveniente. tudo bem, no ano que vem, acho, as coisas vão melhorar. eu já arranjei uma escola pra trabalhar, apesar de ser em outra cidade. às terças e quintas terei que acordar as 3 da manhã pra chegar lá, mas tudo bem. se as freiras continuarem comigo poderei, finalmente, ter uma vida decente. melhor: quem sabe até não precise nunca mais tentar acumular capital pra pagar as  continhas e me mude pra algum acampamento. o abril vermelho tá aí. eu fico lá. são muitas essas as perspectivas pra uma mãe solteira e só.

está tudo bem. continuo um pouco melancólica, mas nem tanto quanto naquele dia ruim. a melancolia vaievém. eu tô bem. acordei ouvindo nina simone. li uns três poemas e vim te encontrar. esse lugar do impossível.

meus seios cresceram nos últimos dias. não sei explicar isso, mas de fato estão maiores. um amigo veio me visitar e levantei a blusa: acha que estão maiores? ele ficou um tanto escandalizado, na sacada do apartamento. as pessoas lá na rua gostam de olhar e eu logo baixei a blusa, me melancolizei. devo ser mesmo uma maluca. visto uma saia jeans e curta. bem curta, não, pouco acima dos joelhos. uma blusa vermelha. eu fico bem de vermelho. meus cabelos estão feito os de uma leoa da africana (todas o são?), eu gosto assim, não tenho maquiagem, às vezes uso lápis e rímel, quando estou muito pálida com batom bem vermelho.

bem, me estendi demais e tenho vontade de fumar um cigarro. vou me atordoar com tantas palavras, e você não aparece, inexiste. é a palavra do dia. isso não foi ciúme, foi apenas um certo medo de perder o meu lugar. o meu lugar de sonho. o inexistir. é isso que sou e é evidente que não é o bastante, que eu sou charmosa, um pouco bonita, inteligente, interessante e mereço muitíssimo mais. a modéstia é um gracejo, quando não hipócrita. mas podia ser suficiente assim, talvez não seja. mas é o que se me oferece e dou um arroto de satisfação, óquei. e me deito novamente em meu devido lugar. mais cedo eu brincava de palavrear:

sinto um comichão, come no chão
compenetrada, me penetra
biscoito, vamos fazer um coito duplo

oh! meu vizinho, de pc, está ouvindo a trilha de pulp fiction, aquela segunda canção, que é justamente um funk-blues. eu sinto muito por essa eu-que-não-sou-eu. eu não sou uma menininha voluntariosa. ou sou: não leve em banho-maria que eu posso ir do líquido ao gasoso, ao sólido gelo, ai eu derreto, que coisa mais triste.  viu, dá pra fazer um dramalhão! acho que meu humor está ótimo. péssimo é olhar à minha voltar, lembrar as realidades. e agora eu coloquei a mão no lábio, levei os olhos pra esquerda lá no alto... queria tannnnnnnnnnnnntooooooooooo o impossível agora. ai, como eu queria. e queria também conjugar os verbos nos tempos exatos: eu quero.

longe, porém perto
lacrimijante, em gala.

1 comentários:

Vais disse...

Nina, é ler e sentir junto

beijos & beijos