terça-feira, 19 de outubro de 2021

3 despachos - despacho nº 7

traduzi os três poemas fabulosos abaixo para o 7º número da revista despacho editada pela corsário-satã e com curadoria de fabiano calixto. deixo os poemas aqui e o convite neste link para que leiam a revista completa. tá peso.


Ode à gentrificação

Samantha Thornhill

 

Moradores coroas desse

bairro branqueado-qboa dão a letra:

a coisa mais autêntica

dessa rua reinventada

na madame branquela

e no seu yorkie

é o couro da coleira

que os acorrenta.

 

Seu próprio nome, um estilhaço

de vidro profundamente enraizado na banha

do nosso vernáculo. Gentrificação,

justamente confundida

com justaposição:

cults bacaninhas com arrogância,

grilagem de terras,

arranha-céus depressivos,

bodegas suspirando soja.

 

Meninas e moleques peruanos engordam

geladeiras com puríssima água Fiji entre

uma e outra tarefa de casa, enquanto papai

prepara e reparte tudo e mamãe

se preocupa com os registros de energia.

 

Fazendo fita pra tua gratificação,

O nascimento é gratidão – irmã

gêmea do arrependimento.

Me chama de arrependida.

 

Foi mal aí te agradecer

pelo jeitinho que

participo da sua cruel

e conveniente, mágica.

 

Por remover

as famílias que sonharam

onde minha cabeça hoje descansa.

 

Ontem, as roupas voltaram da lavadeira

mais límpidas que sinos, lingeries

acariciadas pelas mãos

de outra mãe.

 

Sento em cima da cara

seu lado da moeda,

bebendo a escória azul do céu

enquanto os adolescentes que ensino,

e as vóinhas pretas

duronas que dou um salve

e ofereço um banco,

beijam o asfalto.

--



Ode to Gentrification


Old school denizens of this

bleach-boned block say:

the realest thing

about the white woman

and her Yorkie

on this reimagined street

is the leather of the leash

that tethers them.

 

Your very name, glass

splinter planted deep in the fat

of our vernacular. Gentrification,

rightly mistaken

for juxtaposition:

pretty boys with swagger,

checkerboard trains,

skyscraper sadness,

bodegas sighing out soy.

 

Peruvian girl and boy fattening

fridges with Fiji between

homeworks, while Pops

slices and dices, and Mom

rocks the register.

 

Kissing cousin to gratification,

you birth gratitude—

twin to regret.

Call me regrateful.

 

I am so sorry to thank you

for the manner in which

I participate in your cruel,

and convenient, magic.

 

You ushered out

the families who dreamed

where my head now rests.

 

Yesterday, I retrieved laundry

cleaner than bells, unmentionables

caressed by another’s

mother’s hands.

 

I sit on the up-

side of your coin,

drinking down the sky’s blue

dregs, while the teens I teach,

and the sturdy black

grandmothers I salute

with my seat,

kiss concrete.

*

 

Carvão

Audre Lorde

 

Eu

A suprema pretura, que fala

Das profundezas da terra.

Existem muitas maneiras de se abrir.

Como um diamante se abrindo num nó em chamas

Como um som se abrindo numa palavra, colorida

por quem assume os riscos para falar.

 

Algumas palavras são abertas

Como um diamante em vidraças

Cantando na cadência do sol que as atravessa

E também há palavras como desafios grampeados

Em blocos-de-notas – listar, comprar e descartar –

Aconteça o que acontecer, todas as possibilidades

O canhoto permanece

Um dente mal-arrancado com uma borda lascada.

Algumas palavras vivem na minha garganta

Se reproduzem como víboras. Outras conhecem o sol

Buscando como ciganas sobre a minha língua

Explodir pelos meus lábios

Como jovens pardais explodindo sua casca.

Algumas palavras

Me atormentam.

 

Amor é uma palavra que inaugura outra maneira de se abrir.

Como um diamante se abrindo num nó em chamas

Sou preta porque venho das profundezas da terra

Segura a minha palavra, como uma joia aberta em sua luz.

--

 

Coal

 

I

Is the total black, being spoken

From the earth's inside.

There are many kinds of open.

How a diamond comes into a knot of flame  

How a sound comes into a word, coloured  

By who pays what for speaking.

 

Some words are open

Like a diamond on glass windows

Singing out within the crash of passing sun

Then there are words like stapled wagers

In a perforated book – buy and sign and tear apart –

And come whatever wills all chances

The stub remains

An ill-pulled tooth with a ragged edge.

Some words live in my throat

Breeding like adders. Others know sun

Seeking like gypsies over my tongue

To explode through my lips

Like young sparrows bursting from shell.

Some words

Bedevil me.

 

Love is a word another kind of open –

As a diamond comes into a knot of flame

I am black because I come from the earth's inside  

Take my word for jewel in your open light.

*


MALCOLM X

Gwendolyn Brooks

Para Dudley Randall

 

Primordial.
Tipo puído-puro,
Tipo poderoso-parrudo.

Seus olhos eram de homem-falcão.
Ficamos perplexos. Vimos a virilidade.
A virilidade varrendo tudo, tornando o ar gutural
E nos impulsionando contra as muralhas.

E num momento sereno e essencial
Um sortilégio piedoso e vertical
Seduziu o mundo.

 

E nos abriu pra sempre porque -

Ele era palavra-chave

Ele era o cara.

--

 

MALCOLM X

Gwendolyn Brooks

For Dudley Randall

 

Original.
Hence ragged-round,
Hence rich-robust.

He had the hawk-man’s eyes.
We gasped. We saw the maleness.
The maleness raking out and making guttural the air
And pushing us to walls.

And in a soft and fundamental hour
A sorcery devout and vertical
Beguiled the world.

He opened us —
Who was a key.

Who was a man.

 *

1 comentários:

Micheli disse...

Prezada Nina,
Me chamo Roziane, adoro poemas e poesias, comecei a ler Tambores pra n’zinga, lendo, relendo, ora compreendendo ora não.
me dar uma luz neste poema:

kabuki
com a força de um hímem
os pés apertados de gueixa
me recolho
lanço
bênçãos e espadas.


amores rizzíveis
a gente não transou no papicu aquele dia.
todos nos olhavam. perplexos
você só queria uma fotograia
eu, poesia.

maracatu
sou grande, todo o largo.
imensa pra qualquer canto.
danço
como setenta pombas-gira.
na bandeja,
a cabeça de joão batista.

modinha pra trompete em si bemol
à hora do banho
cartola me derrama
como quando corto cebolas

a noite, invisível
estirada no chão frio, ico a contemplar
a cadeira de balanço em seu vai-e-vem infantil.
a solidão de fora não é maior que a de dentro.
quantas crianças assim adormecem
a esperar os pais, as mães, virem da lida?
a velha, olhos lacrimejantes, revira caçambas.
os passantes, nem lhe vem, nem um vão.
o lixo sim: brinquedo, comida.
quantos corpos ao imenso, ao vazio
pra o indar da guerra?


titãnzinho
eu gosto do afogamento.
de olhos bem abertos, lá no fundo
sentir a força das ondas
que vêm e encaldam, maremoto.
eu tenho medo, claro:
de nunca mais querer voltar
e voltar.

rozziane@outlook.com
rozianemichielini4@gmail.com

Preciso entender o que você quer dizer nestes poemas, por favor.
Agradecida