leio ‘changing diapers’
cada verso me detém tua
visão bebê nadador
– nadadora? nunca terá
um sexo que te definha
o índio geronimo me
aparece enquanto agonizo tua visão antes da queda
por que voa, tupã?
pra onde quer ir tão
fundo n’água
se meu corpo te prende
todo líquido?
voaríamos muito além
essa cidade submersa
casinhas com
jabuticabeiras, bancos cimentados
galinhas que ciscam a
generosidade e nos dão seus filhos-ovos
te dei meus melhores
ovários
- o melhor é o desejo,
essa vontade e potência
me foge água, sangre
pedaços por entre as
pernas
essa dor mais
dilacerante que o parto da tua irmã
nada por entre os meus
fundos num rasante até o fundo da privada
tão longe parece o
esgoto e visto daqui em nada parece uma roseira
meus olhos são seu
líquido amniótico
seu mergulho que me dói
o corpo torna real o dilaceramento que brota
do coração. rasga o
ventre da tua mãe, tupã!
rasga esse corpo
ex-prenhe que te prende!
“ausência de batimentos
cardíacos”
o que faz teu coração
que não bate
e me bate, me bate?
ponho as mãos no
coração
só posso escutar o
naufrágio correndo pelos olhos
- escuta! minhas pernas
bambas te esperam
te vejo o mergulho,
bebê translúcido-encarnado
tem o tamanho da palma
da minha mão mais bonita
teus braços e pernas
incompletos dão forma
ao último painel do
jardim das delícias
se fecho o tríptico o
mundo se me fecha
fecho os olhos
choro tão alto a
convulsão
mãe no copo d’água
afundo a mão no sangue
minha vagina dói tanto
- oxalá pudesse
conceber a poema mais feliz de se dizer boceta
te afundo a mão no
sangue
até as mãos o todo
sangre
bebê na palma da minha
mão mais bonita
te mergulho nessas
lágrimas o copo mais cheio
não te dou a vida
também me a perco
os peitos se me
derramam
ardo, rasgo a noite,
atravesso o dia
e você é o pássaro que
me foge o corpo-jaula
eu-jaula não me
converto pássaro
abro a boca
tupã. tupã. tupã.
por que me voa se tenho
os pés pegados na terra árida?
por que me voa se a
jaula se me fecha?
ardo, rasgo a noite,
atravesso o dia
e deliro que frutos
muito amargos se misturam às minhas vísceras em maus-augúrios
abro a boca
tupã. tupã. tupã.
metade de mim morre
quando homédico me diz aborto
metade de mim morre com
tua visão de mergulhador da privada
e voa, voa pássaro
coração-de-pedra. nada desse corp’água
nada mais que até o
fundo
nada mais que longe das
crianças que sonham leites
nada mais que ao largo
da palavra mãe
você me deixa. você me
deixa. você me deixa.
o delírio me cobre os
olhos
estou dormindo?
não temos a casinha, as
jabuticabeiras, as cabrinhas
não te seguro mais
mergulha e voa até o
fim
nada mais que até o
fundo
desaparece o corpo, eu
também sou essa dissolução
a sombra da tua sombra
a grande mãe da noite
vem me visitar
estou dormindo, mãe?
que posso ser agora se
não posso te ser a mãe?
a mãe imensa abre a
boca da noite
é um copo
eu sou sua mulher
sereia no copo d’água
*
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