sexta-feira, 27 de maio de 2016

sem saber dizer,

 olho a sarjeta mais suja
qualquer um podia saber que não há menina 
nesse chão sem ter sido um rastro de violência

olho a sarjeta mais suja
e sei que não posso voltar a pisá-la
dormir sob dejetos, restos de obras e cimento

a menina pisada é ainda outra e outra
a menina quem poderá dizer se nunca mais sair
da sala de psicopatologia – isto que é

chama, pedra, mãos, iml
é fraco dizer alguém
é fraco dizer animal

é tão fraco dizer os rasgos de toda história

2.
uma sarjeta é o lugar onde se deixar uma menina
uma menina é um ser vivente, um ser vivente é
esse que se atravessa e mata e nunca existiu

não vou mais pisar a sarjeta de quando era uma menina
sob as mãos do pai, do outro e do outro
todo e qualquer desconhecido

um senhor me pergunta se foi um poema que se salvou
como sede de qualquer morada
o claustro, senhor, não pisar qualquer chão

ser encarcerada é um ótimo ataque, lê-se numa vala

3.
a rua lá de casa é um aguaceiro pronto
a pisar, cair, uma abertura pra o fim do mundo
o fim do mundo acontece

cinco vezes por hora a cada onze minutos
é quando um ser vivente se converte em menina na sarjeta
sob as mãos de um, qualquer um ou trinta que é mais que gente

mais que gente não é um monstro
um monstro é mito ou é beleza
não existe beleza quando uma menina está na sarjeta

eu nunca mais vou à sarjeta, mas olha:
está cheia a sarjeta de outras meninas
eu sou ainda outra, uma menina que não pode ser mais


atravessamento- violência-- fim---

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