quinta-feira, 21 de março de 2013

Disjecta Membra

Marc Chagall (Moishe ZaKharovich Shagalov, russo, 1887-1985), Etude pour Les Tois Rouges, 1952-53. Tinta preta, guache e aquarela sobre papel. 

inundação

era noite de bafo quente.
a rigor, madrugada.

o calor batido fê-lo carne voar longe.

um estampido.
feito tiro, finalizando tudo:

o semáforo verdevermelho,
a rua de passantes apressados,
o coletivo cheio de curiosos.

uma batida quente e escura
inundou o asfalto de sangue e carne fraca
e fê-lo findar.

era noite de bafo quente
o dia que experimentou ser 

livre.
*

APÓS A INUNDAÇÃO
Arthur Rimbaud; trad. Nina Rizzi

Tão logo a fúria da inundação se desvaneceu, uma lebre parou junto ao trifólio e as balouçantes campânulas e ergueu sua súplica através da teia de aranha ao arco-íris.

As pedras preciosas se ocultavam e já as flores começavam a vicejar.

O quarteirão dos açougueiros surgia na rua principal e embarcações eram impelidas para o mar, abarrotadas de pilhas como as pinturas.

O sangue jorrava na vida do Barba Azul, nos matadouros, nos circos, onde o sinal de Deus tornava as janelas lívidas. O sangue e o leite jorravam.

Os castores se punham a construir. Cafeteiras deixavam escapar fumaça no bares.

Na grande residência de janelas ainda melhoradas, crianças em pranto contemplavam imagens comoventes.

Uma porta batia estrepitosamente. Na praça do povoado a criança volteava os braços e era compreendida pelos cataventos e os campanários de toda parte, sob o tamborilar da chuva.

A senhora X instalava um piano nos Alpes. Missas e primeiras comunhões eram celebradas nos cem mil altares da Catedral.

As caravanas partiam. E o "Hôtel Splendide" era edificado no caos do gelo e da noite polar.
*


Depois,  eu também quis morrer
ser livre da dor e da dor e da dor. 
Mas não pude. 

Então chorei, toda inundação
...

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